Thursday, October 16, 2014

Animismo e budismo

Uma das muitas coisas que gosto no meu filho é de ele ser sensível. Hoje vimos parte de um filme em que um homem cego faz uma operação, deixa de ser cego mas depois tem complicações e volta a cegar. Isso impressionou o M que me disse que aquele não era um filme muito feliz. Respondi-lhe que me parecia que o senhor do filme parecia estar em paz com ele mesmo, e que me parecia feliz. Expliquei-lhe que o filme era baseado numa história real e que no fim ele se tinha casado com a rapariga de quem gostava. Disse-lhe que ver é importante mas que há outras formas de ser no mundo e de se ser feliz. E depois disse que, para mim, a parte mais triste do filme era o pai dele tê-lo abandonado quando ele era cego e ter voltado a ir-se embora quando descobriu que ele ficar cego outra vez. 

O M fez aquilo que faz quando lhe apetece chorar, afastou-se um pouco e pos-se de costas para mim. Eu fui atrás dele dizendo que há muita gente tonta no mundo mas que nem eu nem ele somos assim. Ele não quis falar e eu deixei o assunto cair. 

Quando fui pô-lo na cama disse que lhe queria dizer algo, e ele a mim diise ele mas não sabia se conseguia. Insisti, ele não quis e eu deixei-o estar. Falei-lhe outra vez daquele pai e de ele estar triste, e do facto de haver gente má no mundo, e de ser normal, compreensível, expectável ele ficar triste com isto. E ele disse que já noutro dia tinha acontecido, quando o Sheldon so 'big bang theory' pediu ao pai natal para lhe trazer o seu pop-pop (avô) de volta. E começou a chorar. Disse-lhe que percebia que isso o fizesse chorar e que embora eu não possa protegê-lo do mundo vou sempre estar lá, ao lado dele, para o ajudar. 

Estava já a apagar a luz quando lhe perguntei se ele nao me queria mesmo contar. E ele contou. Disse que se nós tomassemos melhor comta do mundo o mundo seria um sítio melhor, com menos poluição, menos guerras e com mais pessoas felizes. Mas tomar conta do mundo significa tomar conta de todas as coisas, não é só das pessoas. Por isso ele gosta de tratar bem as coisas. Ele dá pontapés à bola mas é só porque a bola gosta. Disse que sabe que eu não penso assim mas que ele sim. Lembrei-me de ele a pedir desculpa ao pacote de leite depois de lhe ter dado um toque com o pé, de ele chorar tanto este verão por causa do passarinho que caiu do ninho, de chorar quando a toupeira do livro ficava sozinha a olhar para a lua, de não deixar que se faça mal a um animal. O M sempre teve este espírito antropomórfico. Aliás não é bem antropomorfismo porque ele não acha que estas coisas são pessoas, acha apenas que os humanos não são os únicos detentores da capacidade de sentir. É a-moderno nesta sua capacidade animista e de estender a agência a não-humanos.  E por isso falei-lhe do budismo e ele ficou contente. Quando ele crescer falar-lhe-ei da minha investigação e de actor-network theory. Mas para já fico apenas contente por estar a criar uma pessoa com um coração tão grande e tamanha capacidade de empatia. 

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