O cenário é o seguinte:
É uma noite de semana normal, igual a tantas outras, e estamos os dois sentados à mesa a comer um caril de frango de que ele, surpreendentemente, gosta. A conversa é tão banal que não fica na memória de nenhum dos dois. Sem aviso e com o mesmo tom de voz com que me pediria que lhe passasse o sal, se o sal estivesse na mesa, ele diz, 'Amã, lembras-te quando o Howard fica com a pi|a presa, assim?' dobrando o braço e colocando-o atrás do pescoço. A amã tenta não se engasgar é faz um esforço consciente para manter uma expressão neutra enquanto lhe passam pela frente várias opções:
a. ignorar e ir buscar o sal à cozinha porque, afinal de contas, ele não está na mesa
b. acabar com a conversa logo ali, porque estes não são temas para se discutirem à mesa
c. ir para o quarto chorar porque este menino está a crescer tão depressa...
d. desviar as atenções com um, 'ah, mas lembras-te daquele outro episódio em que...?'
e. responder, com o tom mais normal do mundo, que sim, que esse episódio é muito giro
f. inquirir sobre onde exactamente ficou ela presa e o que significa esse movimento de braço
Tudo isto lhe passa pela cabeça no espaço de segundos e opta pelas opções (e) e (f). Responde, ele explica, riem-se os dois, e ele deixa no ar a dúvida de porque é que o Howard quereria usar o braço do robot para agarrar a sua parte privada. A amã não explica mais nada, o tema muda, o jantar continua.
Isto foi ontem à noite, levando-me mais uma vez a ter a certeza que não há filme do Almodóvar que possa superar a minha realidade. E por isso, esta manhã, no duche, perguntei-me se terei lidado bem com a situação: Se não devia ter aproveitado a ocasião para mais uma explicação pedagógica sobre o sexo, a puberdade, etc; se não devia ter aproveitado a ocasião para ver que perguntas é que ele tem; se não lhe devia ter feito perguntas a ele. Ser apanhada de surpresa enquanto enchia o garfo de arroz e caril deixou-me estupefacta e sem respostas, mas já devia saber que esse é o MO do meu filho e que é assim que ele muitas vezes faz as suas perguntas importantes. (Não está esquecida a infame conversa sobre a (não) existência do Pai Natal que tivemos no carro há um ou dois anos.)
Podia, claro, ter optado pela opção (b) mas esta é uma família a dois. Eu não me posso dar ao luxo de dizer, 'ah, bom, depois falas disso com o teu pai'. O M, ou fala comigo ou fala com os amigos, mas não vai deixar de falar e de ter perguntas. E eu quero que ele saiba que pode falar comigo e preciso que o faça. Preciso porque a puberdade está à porta e com ela a adolescência, o álcool, as parvoíces, as raparigas, o sexo, as drogas, etc, etc. Por isso, e embora considere que conversas de pi|as não são para se terem à mesa, respondo como se nada fosse e depois fico a pensar que devia ter respondido/reagido melhor. Suponho que esta é a melhor forma de, para a próxima vez, estar mais preparada.
p.s- escrevo 'pi|as' não por ser púdica mas porque não quero evitar que este post apareça nalguma busca do google.
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